sábado, 4 de setembro de 2010

Nietzsche e a Piedade

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Minhas experiências me dão o direito de disconfiar, mormente no que diz respeito aos assim chamados impulsos "desinteressados", de tudo aquilo que tem a ver com o "amor ao próximo", sempre disposto à ação e ao conselho. Para mim, o "amor ao próximo" é nada mais do que uma fraqueza, um caso isolado que demonstra incapacidade de opôr resistência a um estímulo - a piedade é uma virtude apenas entre os décadents. Eu acuso os piedosos de se perderem em sua vergonha, em sua reverência, em seu instinto delicado para as distâncias; a piedade, por sua vez, acuso-a de feder a povo num simples piscar de olhos, e de ser muito parecida com as más maneiras, com as quais facilmente pode ser confundida, aliás - olhos piedosos podem, conforme as circunstâncias, interferir no modo destruidor em um destino grandioso, em um isolamento entre feridas, que um privilégio para grandes culpas. A superação da piedade, eu a coloco entre as virtudes nobres: eu chamei a de "a tentação de Zaratustra" um caso em que um grande grito de desespero chegou até ele, em que a piedade tomou conta dele como se fosse o último pecado, tentando aliená-lo de si mesmo. Continuar senhor de si mesmo num caso desses, manter a grandeza de sua tarefa livre de vários impulsos mesquinhos e míopes que se mostram nas assim chamadas ações desinteressadas, essa é a provação, talvez a última provação pela qual um Zaratustra tem de passar - a sua verdadeira prova de força.....



Friedrich Nietzsche - Ecce Homo

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