segunda-feira, 12 de outubro de 2015

A Morte - João Candido de Oliveira - Livro Aposentadoria


A fuga certamente nunca foi nem poderá ser a solução definitiva para nenhum tipo de problema; todavia, a morte em consequência dele também não o é, embora muitos prefiram por ela optar. Entre continuar vivendo com a sensação de que se está comportando de maneira “inadequada” e morrer por algum “capricho” considerado certo - porque problema que justifique a morte só poderá ser assim definido - é preferível continuar vivendo “inadequadamente” do que ser caprichoso. Isso porque “nunca estamos tão seguros de nossas razões a ponto de imolarão-nos por elas” - sabiamente, asseverava Nietzsche. O que é verdade hoje certamente não o era ontem nem temos tanta certeza de que o será amanhã. E, sem o gozo da vida, o indivíduo não tem como certificar-se dessa realidade nem tampouco vivência-la. Evidentemente, o que denominamos “maneira inadequada” não pode ser o que contraria as regras básicas que norteiam a convivência fraterna e social: os princípios fundados na ética e na moral.

As verdades dos homens são tão frágeis e mutáveis que, sem dúvida, não valeria a pena morrer por elas, a não ser na defesa da própria vida. Tome-se como exemplo os milhões de seres sacrificados em nome do socialismo, especialmente na União Soviética, vítimas do estalinismo. Até hoje não se sabe o número exato de mortos - talvez mais que a população de uma grande São Paulo - imolados em nome de uma causa que nem mesmo os “donos da verdade” tinham tanta certeza do alcance de suas finalidades, de seu sucesso. Tanto que, em alguns países, se desmoronou sem as reações esperadas. Não menos lastimável e perverso foi o nazismo hitlerista, que engoliu outras tantas vidas em nome de outras verdades. E assim, todos os genocídios praticados especialmente no século XX, sem contar aos milhões de criaturas, maltratadas e sacrificadas em nome de princípios defendidos por ditaduras civis e militares dispersas pelo mundo, incluindo no mesmo balaio O Santo Ofício de Deus - a Inquisição - que devorou, na tortura e na fogueira, milhares de inocentes em nome de uma fé que, paradoxalmente, era também a fé da maioria das vítimas, apenas expressas de maneira diferente ou porque sua prática não servia aos interesses de alguns segmentos da Igreja. E de outra feita, as diversas formas intolerantes de sectarismos religiosos e étnicos espalhadas pelo mundo. 

As razões engendradas pelos homens hoje só existem para eles na condição de vivos. Não se tem notícias de nenhum morto que tenha ressuscitado para testemunhar que, se tivesse de morrer novamente pelos mesmos princípios, o faria com igual disposição; quem afirma isso são os vivos. E não se deve esquecer que erros e acertos são coisas de vivos; os mortos nunca erram, pelo menos na lógica dos vivos. Motivos louváveis que tenham levado pessoas a imolar-se por eles deixam de ser louváveis pelo simples fato de não terem servido à vida, mas à morte. Paradoxalmente, a morte não precisa de auxílio, ela é suficientemente capaz de, mesmo que tudo conspire contra ela, cumprir rigorosamente sua missão - é apenas uma questão de tempo e oportunidade. Ora, sendo isto verdade, por que criar e defender motivos cujo emprego serve mais à morte do que à vida? A morte não reclama, nem carece de ajuda. Ela está sempre onde esteve, silenciosa, inalterável, nas mais remotas profundezas de cada ser vivo. 

Aposentadoria - João Candido de Oliveira

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